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Anatomia da Palavra

Brasil das guerras culturais

Setembro 25, 2023

O Brasil é, hoje, o exemplo mais completo da afirmação definitiva das guerras culturais como paradigma da vida política. Num país com índices de pobreza, fome, exclusão social e económica elevadíssimos, as batalhas voltaram-se para as questões morais, com uma luta intensa ao casamento homoafetivo, usando a Bíblia como instrumento e derrogando a separação de poderes e a laicidade.

Esvaziar a democracia

Setembro 25, 2023

Descredibilizar os partidos, os oponentes, esvaziar espaços políticos, fazer da política um espetáculo de ofensas, agir em função da visibilidade mediática, esvazia a democracia, e ao fazer isso oferece à população a ansiedade por uma liderança carismática e não-democrática/liberal-social.

a teoria é sempre relativa

Setembro 14, 2023

Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz "OPINIÃO X Hoje há um esquecimento intencional de que as teorias têm vocação para serem refutadas. A palavra "crítica" presente na teoria crítica de ou z, não está lá por enfeite ou para se referir a uma atitude de mero ataque ao mundo em que vivemos, é crítica porque reflexiva e não um dogma científico para efeitos políticos."

A teoria é um instrumento de tradução dos fenómenos, um mapa para entender e analisar a realidade. Em ciências sociais, sobretudo, tem a limitação do olhar, da ideologia, dos seus fazedores, embora sujeitos treinados. No entanto, o próprio treino é um condicionamento do olhar. Se durante demasiado tempo tivemos um olhar preso ao etnocentrismo ocidental, ao patriarcado judaico-cristão e a sua visão supremacista cultural, a teoria crítica revolucionou a ciência ao oferecer um olhar desconstruído e descolonial. No entanto, ao se estabilizar como cânone teórico, foi perdendo o seu sentido de revisão para se tornar num dogma teórico que determina o campo da ação política, de modo essencialista. O que é uma enorme pena.

da identidade de género

Setembro 10, 2023

Pode ser uma imagem de 2 pessoas e texto que diz "TRANSIDENTIDADE "O que interessa é que OS jovens estejam felizes. Porque a genitália tem de ser um problema na sociedade? Ο foco está em ajudá los a terem maior qualidade de vida" mas nem sempre é simples, sobretudo quando surgem crianças com quatro anos"
Não tenho problemas com a questão da identidade de género, e percebo a argumentação teórica de que o género é uma construção social, até porque, como já referi antes, há povos africanos onde a idade do corpo é mais importante do que a genitália, ou seja, é a idade que determina os papéis sociais, além de que o feminino e o masculino são papéis negociados e não plásticos.
Contudo, tenho reservas quanto ao modelo sócio-teórico em que vivemos, no qual o que se sente é sempre uma verdade incontestável e um dado adquirido. Por isso, não me opondo à mudança de identidade de género e a cirurgias de transformação biológica, defendo que estas devem acontecer numa fase adiantada da adolescência [o caso adquire contornos diferentes quando se manifesta em idade infantil], após profundo acompanhamento e avaliação psicológica. Não pode ser uma decisão de impulso, dado o problema de sérias consequências físicas numa possível reversão e não pode a família ser excluída do processo – nos EUA nos pais são forçados a aceitar o processo.
É impensável que seja mais fácil mudar de sexo biológico do que realizar um aborto.
Retomo: não tendo objeção ao procedimento, defendo que tem de ser feito com a máxima garantia de que se trata de uma decisão consciente, informada, maturada, e não de um impulso resultante de uma sensação que pode ser transitória sobre si mesmo. Não podemos passar da classificação como patologia à aceitação inquestionável. A identidade de género, a transidentidade, é um processo de autoconhecimento e isso não é feito com leveza, nem por impulso de ser trendy.

setembro

Setembro 02, 2023

As primeiras chuvas apressadas de Outono. Os dias mais curtos, mas ainda com cheiro de Verão. As primeiras mantas na cama e os últimos mergulhos. A promessa de um novo recomeço, as mochilas e cadernos. As memórias de escola. Setembro de mil datas pessoais. Setembro, sê bem-vindo.

O beijo e o exibicionismo moral

Agosto 31, 2023

O caso Rubiales tem sido explorado até à exaustão, explicitando um cruzamento entre machismo tóxico e exibição moral. Rubiales esteve muito mal, sobre isso não há a menor dúvida, manifestando uma cultura de impunidade e toxicidade masculina próprias de uma sociedade patriarcal. Por outro lado, o caso terá sido explorado ostensivamente pela imprensa, sobretudo por arrasto de um exibicionismo moral levado a cabo por puritanistas de uma nova ordem, alimentados pelo ego da exibição em praça pública.

"ou Trump ou morte"

Agosto 25, 2023

 

Esta é a realidade nos EUA na era de TrumpTenho por profunda convicção que vivemos num período de desconsolidação da democracia liberal, donde sairá uma nova forma de democracia de feição illiberal, nos melhores casos, e regimes autoritários. Isto deve-se ao facto das gerações atuais não saberem o que é viver sem democracia liberal, pelo que têm pouco apreço pelo Estado de direito democrático liberal, e estão muito dados a soluções militares e autoritárias, em torno de homens providenciais. As redes sociais deram um forte impulso a esta realidade, fazendo da separação de poderes, das garantias de direitos fundamentais e de eleições livres algo irrelevante, sob ataque de populistas que se afirmam a voz do povo, desde que essa voz seja capturável por si, afirmando uma clara tirania da maioria. Eles são democratas, numa lógica baseada na ideia de que “é democracia quando eu mando e comando o povo”.

Purificar a Sociedade, um ímpeto

Agosto 22, 2023

A propósito da notícia que dá conta que a música "Fat bottomed girls" dos Queen foi retirada da plataforma Yoto, por ser "imprópria para crianças", ocorre-me dizer que vivemos um tempo de um ímpeto purificador social, ou de outra forma: de vários ímpetos. Eles manifestam-se na tentativa de expurgar vícios “morais” na ânsia que criar uma sociedade nova, um jardim do Éden terreno, cuja materialidade doutrinária vai do radicalismo cristão que procura recriar uma sociedade do casal heterossexual que vai à igreja ao domingo, temente a Deus e odioso da diferença, até à Igreja da Nova Sociedade dos Reencantados do Mundo, que pretende proteger as crianças num mundo de “ursinhes carinhoses”. Ambos querem expurgar a sociedade uns dos outros, da diversidade de pensamento, vendo o mundo numa batalha espiritual entre o “bem e o mal”, num maniqueísmo primário, enquanto justiceiros, uns da justiça social e moral, mas pós-material, e outros da justiça moral onde o amor ao próximo é mesmo ao próximo, i.e., àquele que se parece consigo. 

image © FlorenceD-pix

31 mil novos milionários

Agosto 16, 2023

A recente notícia de que Portugal viu o surgimento de 31 mil novos milionários poderia, à primeira vista, parecer uma tendência económica positiva. Afinal, o aumento da riqueza pessoal poderia sugerir um avanço no desenvolvimento do país. No entanto, essa estatística adquire um significado mais complexo quando consideramos o contexto em que ela se insere, considerando que o país permanece estruturalmente pobre e no qual o tecido empresarial do país encontra-se, ainda, pouco consolidado e diversificado, gerando uma economia vulnerável a oscilações.

A coexistência de um número significativo de novos milionários com a manutenção de salários relativamente baixos é uma contradição preocupante. Os salários baixos não apenas produzem efeitos negativos no poder de compra dos cidadãos, mas também levam a um cenário de  "fuga" de quadros qualificados para oportunidades melhores no exterior. 

O contraste entre a crescente riqueza pessoal e a persistente pobreza estrutural aponta para a necessidade de uma análise mais profunda das políticas econémicas e sociais. O país deve se esforçar para criar um ambiente empresarial mais robusto e diversificado, que não apenas facilite a ascensão de indivíduos à categoria de milionários, mas também proporcione oportunidades para a classe média prosperar. A busca pela igualdade de oportunidades e a retenção de talentos qualificados devem ser prioridades para garantir um desenvolvimento económico mais equilibrado e sustentável.

 

Todos, todos, todos

Agosto 11, 2023

“Todos, todos, todos”. Foi o discurso do Papa Francisco. São palavras inclusivas e bonitas, e vão ao encontro do que seria a mensagem de Jesus. Mas a Igreja estruturalmente não é isso, e tem o direito a não o ser, enquanto instituição autónoma. Se a Igreja Católica entender que as mulheres devem assumir uma posição subalterna e que as pessoas LGBT+ e trans são contranatura, está no seu direito, assim como tais pessoas não são obrigadas a aceitar o catolicismo como monopólio de uma ideia de verdade.

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Anatomia da Palavra é um blogue de João Ferreira Dias, escrito segundo o Acordo Ortográfico, de publicação avulsa e temática livre. | No ar desde 2013, inicialmente sob o título A Morada dos Dias Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

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Informação

João Ferreira Dias é Investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE, no Grupo Instituições, Governação e Relações Internacionais. Interessado por Direitos Fundamentais, Teoria Política e do Estado, Direito Constitucional, e Antropologia Religiosa.