O caso do homicídio de Odair Muniz tem o potencial para ser uma versão portuguesa de George Floyd, embora os trâmites não sejam exatamente iguais. Por pontos, para facilitar a leitura, o meu entendimento:
1. Ao ter ameaçado a polícia com arma branca colocou-se numa situação delicada, em que abdica de parte da sua integrida
de física, em razão de se constituir como ameaça.
2. A reação dos agentes foi desproporcional face à ameaça, pelo que constitui matéria penal.
3. Existe um longo historial, devidamente documentado, de abusos policiais em zonas urbanas delimitadas como zonas perigosas, especialmente racializadas.
4. Os abusos policiais são inadmissíveis e refletem um problema sistémico de racismo nas forças de segurança, que não tem sido devidamente intervencionado pelo Estado.
5. Isto não significa que os ditos “bairros problemáticos” sejam vítimas de um plano do Estado para execução de genocídio. Também não significa que neles não habitem cidadãos com cadastro e/ou violentos. A constituição do oprimido como puro é um delírio ideológico.
6. Os distúrbios são resultado de uma indignação pela longa falha do Estado e sensação de impunidade.
7. Os distúrbios são inaceitáveis, e os responsáveis devem ser devidamente punidos.
8. O aproveitamento do Chega do caso é inaceitável, já que serve para reforçar a narrativa do Estado securitário, meio caminho para o Estado de exceção que abre a porta aos regimes autoritários.
9. Haver políticos de centro-direita a usar o caso para falar sobre controlo migratório é inaceitável, já que torna o tema radicalizado.
O que precisamos é de apuramento concreto dos factos, punição para o agente que cometeu o crime, provada a sua culpa e dolo, reposição da normalidade através do fim dos distúrbios e penalização dos responsáveis, e de uma vez por todas resolver os problemas de capacitação dos agentes para lidar com situações de risco, potencial risco ou nenhum risco em caso de minorias. E “sim”, isso também passa por ter agentes racializados, minorizando potenciais tensões raciais.