Racismo Estrutural, um fenómeno multiverso
Fevereiro 23, 2021
Quando se afirma o racismo estrutural em Portugal é erróneo supor que este tenha a mesma natureza do racismo estrutural brasileiro ou estadunidense. Não poderia ter, pelas histórias e composições sociais próprias. A presença africana em Portugal foi intensa durante os séculos XIV a XVIII, com um progressivo desaparecimento (por inúmeros fatores, como degredo, tráfico e doença). A herança tornou-se uma memória incómoda e foi sujeita a amnésia nacionalista. Nesse sentido, o racismo estrutural português é de feição colonial e pós-colonial, sendo sobretudo um sentimento ameno de superioridade presente no desconforto e na invisibilização do "outro" por via do insucesso da mobilidade social ascendente. O caso do Brasil é outro, ligado à história do sistema escravocrata e às políticas de exclusão, racialização ativa, perseguição, resultantes do pós-abolição, com forte dimensão penal e científica. O lusotropicalismo e o racismo cordial/democracia racial foi um jogo comum, é um facto, mas sujeito a leituras ideológicas diferentes. Enquanto no Brasil a presença negra foi permanente, resultando em políticas quitodianas de exclusão e marginalização, mescladas com o nacionalismo moreno de Getúlio Vargas, por exemplo, o caso português foi o das colónias como propriedade de um Portugal maior que as fronteiras europeias, cujo apogeu nacionalista foi o de trazer o exótico selvagem à exposição do Mundo Português. São, pois, racismos estruturais diferentes. Um centrado em políticas ativas de segregação e perseguição, outro marcado pelas tramas de exclusão social serena, invisível, aparentando, sobretudo, ser um fenómeno de falha do mercado liberal e de divisão económica e de classe.