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Post{o} de Vigia

11.01.24

Sou um defensor do apoio ao desporto feminino, nas suas várias modalidades, e de uma aproximação às condições do masculino, sendo poucos os casos em que não se justifica uma clara igualdade (muito mais ligada a questões de patrocínios que implicam sobre circunstâncias salariais). Durante bastante tempo fui favorável inclusive a soluções mistas e à presença de pessoas trans. No entanto, os factos apontam noutro sentido e não são raros. A seleção americana feminina de futebol perdeu 12x0 com os jogadores reformados do Wrexham, clube da 4a divisão inglesa. A seleção brasileira feminina já havia perdido 6x0 com o Grêmio masculino sub16 e o situação análoga aconteceu com a seleção australiana. De igual modo, homens identificados como mulheres têm batido todos os recorde femininos em várias modalidades. Não é por caso que o futebol misto termina na puberdade, ou que a jogadora de bilhar profissional, Alexandra Cunha, menciona que uma mulher precisa de imenso treino profissional para conseguir uma tacada de abertura com equivalente força de um homem que joga amadoramente. 

Diante deste facto, impõe-se uma atitude despolarizada, capaz de resolver as disparidades garantindo que o desporto não se torna nem um apagamento das mulheres, historicamente oprimidas, nem uma barreira a pessoas trans. Isto implica que tais diretos não podem ser tratados como eu colisão, mas antes a correr lado-a-lado, garantindo a equidade e a inclusão. É, portanto, evidente, que além do necessário apoio aos desportos praticados por atletas femininas, de modo a que se encontrem em situação de equidade face aos homens, é preciso criar competições para atletas trans, colocando todas as pessoas em equivalente situação de competição, sem prejuízo nem benefício para ninguém. Ora, tal impõe reconhecer direitos para todas as pessoas, sem transfobia, misoginia e histeria ideológica. 

04.01.17

Os efeitos sociológicos do futebol, a sua utilização estratégica como fator político, cultural e até religioso são sobejamente conhecidos. Gilberto Agostino em Vencer ou morrer: futebol, geopolítica e identidade nacional trata de forma demorada de tais fenómenos, inscrevendo-os na própria dinâmica de fundação dos clubes. Igor Machado, por exemplo, dá-nos conta da forma como os imigrantes brasileiros na cidade do Porto usam o futebol como forma de afirmação anti-local, optando por clubes lisboetas. Outro exemplo da forma estruturante como o futebol atua é apresentada no livro de Bill Murray, The Old Firm: Sectarianism, Sport and Society in Scotland, a partir da rivalidade Celtic x Rangers.

Ora, apesar de Albert Camus ter afirmado que "Tudo quanto sei com maior certeza sobre a moral e as obrigações dos homens devo-o ao futebol", a ligeireza das coisas mostra-nos que a formação da figura do adepto tem deslizado nas águas do fanatismo, aparecendo como uma versão alternativa do fundamentalismo religioso, apresentando os mesmos padrões. Salomé Marivoet, sociológica que se tem dedicado ao desporto, mostra como a militância e as hostilidades fermentam um cultura de violência nas claques de futebol. Em países como a Ucrânia ou a Inglaterra, as claques mesclam-se com movimentos de extrema-direita de modo particularmente perigoso, apresentando traços de racismo mesmo diante dos jogadores das suas equipas.

Tudo isto, configura um cenário de representações e projeções em torno dos clubes de futebol, onde fanatismo, devoção e alienação caminham perigosamente juntos. Em Portugal diz-se que "muda-se de sexo, muda-se de cidade, muda-se de mulher, mas não se muda de clube". Há adeptos a referirem-se à camisola dos seus clubes como "manto sagrado". É, por isso, urgente dessacralizar os clubes. Precisamos perceber que um filho ser de outro clube não é o fim do mundo, precisamos abandonar os atos de fé e as guerras santas, abandonar o espírito missionário de levar o clube aos infiéis, precisamos compreender que a vida se compõe de mudança e que mudar de clube é um ato natural. Somos feitos de mudança, de renovação, de contradições. Se é um facto que um clube confere sentido de pertença, cria laços e atua como fator de coesão num grupo, ele também é fator de conflito e radicalismo. É preciso conferir leveza ao ato de ser adepto.

Cólofon

Post{o} de Vigia é um blogue de João Ferreira Dias, escrito segundo o Acordo Ortográfico, de publicação avulsa e temática livre. | No ar desde 2013, inicialmente sob o título A Morada dos Dias Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.