28.06.23
Uma das rotas migratórias mais perigosas do mundo situa-se no estreito de Darién, entre a Colômbia e o Panamá e é feita por milhares de pessoas, todos os anos, em fuga da miséria em direção à promessa americana. Descobre-se agora que há uma agência de viagens alemã a vender a experiência como turística, por 3.500€. Esta notícia é preocupante e levanta várias questões éticas e humanitárias, sobre a forma como o capitalismo sem controlo reforçou as assimetrias globais e tornou as sociedades de consumo e de conforto em vazias de empatia. Se no começo do século XX pessoas africanas eram trazidas à Europa como animais exóticos, desumanizadas numa dimensão absolutamente contrária ao pensamento jusnaturalista da época que já advogava a a dignidade humana, nos dias que correm faz-se o movimento inverso - para despertar as pessoas adormecidas pelo seu conforto económico e social, elas são levadas diretamente para o centro do drama humanitário alheio. Isto significa desumanizar o "outro", significa retirar-lhe toda a sua dimensão inerentemente humana, a sua dignidade. O "outro" é visto como estranho, como sujeito sem alma, apenas mais um rosto sem história. A situação é dramaticamente mais grave do que no contexto das expansão marítimas e do período colonial, haja vista a experiência de horrores que foi o nazismo e a II Guerra Mundial, donde saiu a Carta dos Direitos Humanos e toda uma tradição jurídica humanitária assenta na ideia nodal da dignidade da pessoa humana.
Rotas migratórias perigosas são usadas como fuga de conflitos, pobreza extrema e outras condições adversas que tornam insustentável a vida num determinado lugar. Enfrentar tais travessias é um risco diário, implicando cruzar flores perigosas, desertos, mares, lugares com baixos recursos naturais e/ou extremamente perigosos, além do problema dos traficantes que acrescentam uma dimensão de risco que somente é aceite face à degradação da qualidade de vida nos locais de origem. É uma avaliação entre a incerteza de concluir o trajeto e a certeza da miséria ou da morte. Ao transformar este cenário de extrema violência material e psicológica num "parque temático", viola-se o primado da dignidade humana, o dever de empatia, alimenta-se a insensibilidade e coisifica-se o "outro". Isto não é apenas imoral, deveria ser crime.