26.06.23
A ciência política tem mostrado como o pânico moral é um dos elementos mais importantes na construção de um campo político radical de direita no Ocidente. Partindo de estereótipos, preconceitos, notícias falsas e teorias da conspiração, tais movimentos têm observado enorme implementação no Ocidente, tendo na imigração o seu leitmotiv. Um exemplo paradigmático é o crescimento da AfD na Alemanha na sequência da chamada "crise dos refugiados", que correspondeu a uma instrumentalização de notícias falsas sobre violações e crimes em massa (que não ocorreram) para criar um pânico moral na sociedade alemã. Na era da pós-verdade não é necessário que existam factos, apenas basta que as crenças mais íntimas sobre o "outro" tenham respaldo em qualquer site, blog ou post em rede social.
Em Portugal as "guerras culturais" e o pânico moral têm observado escassa penetração, mas é possível encontrar reflexos dessa questão, desde fenómenos de negacionismo à importação da "grande substituição". Este texto no blog Blasfémias é sintomático desse pânico moral. A forma simplificada e assente numa lógica dicotómica em torno da imigração é exemplar dessa importação de um discurso que levou ao Brexit e à eleição de Trump. Convenhamos que ao contrário do populismo que se baseia em interpretações simples para fenómenos complexos, a verdade é que a imigração para o Ocidente é um tema com várias esquinas, que impõe uma análise equilibrada e ponderada. Embora não aprecie o discurso nativista da direita identitária(1), que propaga a ideia de que a globalização colocou as identidades nacionais sob ameaça, não me parece nenhuma concessão ao globalismo reconhecer que uma imigração at large impõe desafios às sociedades de acolhimento, em primeiro lugar no plano cultural, porque o multiculturalismo tende a ser um fenómeno de uniformização, e em segundo lugar um desafio económico, já que grandes contingentes populacionais não são fáceis de integrar. Assim, enquanto é importante reconhecer os benefícios trazidos pela diversidade cultural (como processo de desconstrução de estereótipos, racismo e preconceitos) e o potencial de contribuição dos imigrantes para a sociedade, também devemos considerar cuidadosamente os desafios que podem surgir a curto e longo prazo. Sem uma abordagem adequada, os desafios de integração podem levar ao surgimento de guetos, exclusão social e segregação, o que pode gerar tensões e conflitos. Este fenómeno é evidente em cidades como Malmo, na Suécia, e em vários pontos de Paris, por exemplo.
De igual modo, o controlo fronteiriço parece-me um caminho necessário, através da verificação de antecedentes criminais e de uma avaliação cuidadosa dos imigrantes, a fim de garantir a segurança de todos os cidadãos. A cooperação internacional também desempenha um papel importante na troca de informações e no combate a atividades criminosas transfronteiriças.
Paralelamente, a imigração não deve ser pensada como um processo de solução única para as questões demográficas e da segurança social. Essa medida revela-se um "penso rápido" que acabará por não resolver o problema de fundo, uma vez que os imigrantes que hoje contribuem para a segurança social e para o saldo demográfico, dentro de pouco tempo serão, igualmente, dependentes do mesmo fundo social. É essencial criar um tecido educacional capaz de responder às demandas do mercado, ao mesmo tempo que se apoie os jovens a terem filhos.
Em suma, se o texto no Blasfémias parte de um contexto de pânico moral, contendo estereótipos e extrapolações, a verdade é que a imigração é um desafio gigante nas sociedades ocidentais, e que os modelos adotados por governos neoliberais (baseados no mercado pelo mercado) ou governos de esquerda (assentes numa lógica de portas abertas e multiculturalismo exclusivamente benemérito) padecem de considerar o processo a longo-termo. Para salvar a segurança social no imediato estamos dispostos a hipotecar a identidade cultural abrangente (porque a sociedade não é unidimensional, como imagina a direita radical)? Estamos a considerar que os contribuintes para o fundo social serão no futuro beneficiários? A política de portas abertas sem controlo não será um problema para segurança num futuro imediato?
Todas as respostas implicam uma avaliação criteriosa e prudente, evitando discursos de pânico moral e de euforia multiculturalista.
(1) ver o livro Os Identitários de Zúquete.