Solidário, mas racista?
Como um país tão solidário e que acolhe tão bem pode ser racista? É uma interessante e legítima pergunta, cuja resposta reside no passado, no paradoxo das relações coloniais, entre a Casa Grande e a Senzala, onde se mistura racismo violento, racismo cordial e miscigenação. São contradições nos termos que coabitam nas práticas, e para o qual o Estado Novo deu determinante contributo, ao construir a ideia de "Nação" à volta dos Descobrimentos. O processo foi tão bem desenhado, porque objeto de políticas públicas através do sistema de ensino, propaganda e outros recursos de um país colonial, que nunca mais o largámos, tendo sacralizado a epopeia marítima à exaustão. Não se trata de desconsiderar o feito, nem de o ler a partir do presente - politização tão negativa quanto a nacionalista -, mas antes de reconhecer o seu lado nefasto. É por isso que um país pobre e profundamente católico foi e é tão fortemente solidário, porque sempre percebeu a importância da vizinhança, desde os primórdios do regime foraleiro. Mas é, também, racista, de um modo sereno e cordial, porque foi essa a sua realidade colonial, foi isso que o Estado Novo lhe ensinou a ser, através da narrativa do selvagem que Portugal foi salvar e oferecer o reino de Deus.