12.10.21
No meio académico tornou-se mais ou menos consensual que o processo de emergência da Nova Direita (muito mais saliente do que na Nova Esquerda) populista e radical (não raras vezes de extrema-direita reconfigurada) ancora-se em fatores economicistas e sociológicos, nomeadamente as crises económicas, as crises dos refugiados e a doutrina de que a globalização, com o seu fluxo permanente de povos migrantes, era acolhida pelas populações mais vulneráveis e mais idosas como um desestabilizador dos recursos e um desagregador da unidade cultural do país. Víamos os discursos populistas como arreigados a uma lógica emergente antissistémica, antielitista, e afirmada numa clássica dicotomia “nós” contra “eles”, geralmente traduzida na tensão entre cidadãos de bem (nas versões anglo-saxónicas ou we, the people) contra os corruptores da sociedade, sejam eles uma elite intelectual esquerdista, sejam os imigrantes como usurpadores dos empregos e serviços sociais. Este descontentamento generalizado foi capitalizado nas eleições norte-americanas com a eleição de Donald Trump, no Reino Unido com o Brexit, no Brasil com a eleição de Bolsonaro, na Polónia e Hungria com a eleição de governos de extrema-direita, entre dezenas de outros factos políticos ocorridos no último punhado de anos.Mas esse consenso científico, que permitia analogias com os eventos ligados à emergência do fascismo há um século, vem agora ser colocado em causa com as denúncias de Frances Haugen. A ex-funcionária do Facebook dá-nos conta que o algoritmo que determina os postscom maior incidência no feed de cada utilizador está desenhado para promover a polarização, o conflito, as teorias de conspiração e os negacionismos (de que a pandemia foi o novo ouro). Compreendemos que o consenso, a ordem, o diálogo, a paz, não tendo um potencial de gerar tráfego (logo gerar lucro) são menos interessantes para a “política editorial” do Facebook. Assim, segundo a denunciante, Mark Zuckerberg e a sua equipa estão apostados na promoção da desordem, do combate político, da polarização política e social, sem qualquer preocupação ética, numa lógica de “quanto pior, melhor”, pois quanto mais entrincheirada estiver a sociedade mais incentivada estará na partilha e nos “gostos”.O que está subjacente a esta lógica algorítmica faz de Zuckerberg a pessoa mais poderosa e perigosa do mundo. Os partidos e movimentos políticos de natureza radical, que precisam de polarização são, portanto, tanto produto deste algoritmo quanto dependentes dele, porque precisam de continuo engajamento público, alimentando o Facebook de posts agressivos, polarizadores, fake news, e afins, o qual, por sua vez, encontra nestes um recurso de mercado para gerar tráfego e lucro.Somos, assim, confrontados com uma realidade que ultrapassa os dados com os quais se operou na análise das mudanças sociais e políticas recentes, em que os indivíduos são parte de uma engrenagem fabricada para os radicalizar. Zuckerberg oficializou o mundo orwelliano, em que a verdade é apenas uma narrativa com mais partilhas e gostos.