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Post{o} de Vigia

16.05.23

Da curiosa combinação entre Estado de Bem-Estar Social e sensação de abandono por parte dos “descamisados” da globalização, emergiram questões pós-materiais em torno de ressentimentos, identidades e valores civilizacionais, tais como as questões raciais e as lutas antirracistas, que, por viés político-teórico, se tornaram lutas contra o capitalismo, os direitos e as identidades sexuais, e o papel da moral religiosa e dos valores conservadores num mundo global. Entre o combate às formas de opressão e a luta pela salvaguarda dos valores cristãos como normativos, nascem as chamadas “guerras culturais”.

Inevitavelmente, estas têm produzido efeitos no ambiente político, estando intimamente ligadas à erosão do consenso democrático (a ideia de “chão comum”) e à polarização do campo político em vários países, como os Estados Unidos, onde empurram o Partido Democrata para a Esquerda e o Partido Republicano para a Direita, gerando um esvaziamento dos vasos comunicantes, dando origem, então, a uma lógica de blocos voltados para si mesmos e arregimentados em torno da sua superioridade moral, numa verdadeira batalha espiritual.

Se é relevante refletir sobre os efeitos políticos destas opções bipolares e sobre a transformação do campo político em espaço de disputa imaterial, não é de menor importância debater o papel dos meios de comunicação social na produção desta polarização. O impacto das redes sociais é conhecido, e vários estudos mostram que elas tendem a ampliar e aprofundar as divisões existentes na sociedade, ao mesmo tempo em que criam novas polarizações, revelando-se plataformas de disseminação de notícias falsas e teorias de conspiração. Da mesma forma, mostram que a exposição a opiniões divergentes não produz o efeito de reflexão, mas antes agudiza as posições políticas e conceções iniciais.

No entanto, a imprensa não é imune ao efeito da polarização. Pelo contrário, reconhecendo o impacto das notícias, títulos e opiniões que despertam o conflito, enfatizam pequenos acontecimentos e apostam em cronistas que possam gerar polémica, sinónimo de engagement nas redes sociais. É sintoma disso o número de vezes que microeventos são partilhados nas redes sociais dos media tradicionais, uma vez que produzem forte debate e cliques. Um exemplo recente é o da professora obrigada a pedir desculpa a alunas por dizer “bom dia, meninas” numa escola de raparigas. Este evento, de pequena escala, ganhou grande expressão pelo eco dado na imprensa, trazendo novamente à discussão a questão da identidade de género. No entanto, a forma como as notícias são construídas, com ênfase na superficialidade das questões, impede uma discussão de fundo sobre o assunto, apenas potenciando a tomada de posição para um dos lados – a apologia do direito à desconstrução da identidade, mecanismo de opressão social versus a rejeição da identidade de gênero como um produto ideológico. Esta simplificação discursiva e política impede um debate mais profundo sobre o lugar que a discussão ocupa na escola, na família, bem como o de saber em que faixa etária uma criança está preparada para conscientemente identificar-se com um gênero além da determinação biológica, sem implicar a negação do direito à identidade nem aceitar como dado-adquirido que essa identificação é definitiva.

Revela-se necessário reconhecer o papel que os meios de comunicação desempenham na ampliação e aprofundamento das divisões existentes na sociedade. Esse fenómeno de “sensacionalismo cultural”, e a polarização que ele gera exige uma abordagem cuidadosa e responsável por parte dos meios de comunicação, de modo a gerar um debate mais coerente e fundamentado na sociedade. Afinal, como escreveu Roger Judrin, “as pessoas pensam por si, aquilo que os media lhes ditam”.

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